Fez um ano que Lucas e eu chegamos na Holanda. Decidimos assim meio no susto, depois de dois anos trancados em casa por conta da pandemia, fazer uma mudança radical e vir morar em um país que nunca nem tínhamos visitado antes. Uma mala e uma mochila para cada um, foi tudo o que trouxemos do Brasil. Mentira: as coisas invisíveis, se corporificadas, ocupariam o porão inteiro do Boeing que cruzou o oceano Atlântico e nos trouxe até aqui. Curiosidade, medo, ansiedade, expectativas. Um ano depois, esses sentimentos todos não necessariamente foram embora, mas se transformaram. E a eles se somou ainda uma saudade imensa.
Saudade, essa palavra que nos orgulhamos de dizer que só existe em português. O holandês, no entanto, emprestou do alemão o termo Heimweh, que chega bem perto. Heim é uma palavra antiga para casa, e weh para dor. Segundo a Wikipedia, “[Heimweh] é a dolorosa perda do lar, o sentimento de saudade do lar, ou mais geralmente, da segurança e das certezas do conhecido.”
Tenho uma casa na Holanda, mas nem sempre me sinto em casa na Holanda. Dia desses uma holandesa perguntou do que mais sentíamos falta dos nossos países, tirando família e amigos. Um americano respondeu “dos refis de refrigerante nos restaurantes”. Achei curioso e fiquei pensando sobre isso. Para além das coisas grandes há também a saudade das coisas miúdas, dos detalhes, da coca-cola infinita para ele, e para mim? Nem lembro o que falei. Sinto falta da comida, do idioma, de entender os códigos culturais, de saber navegar em águas conhecidas. Mas aí lembro da frase, para permanecer na mesma metáfora, de que “um barco ancorado é seguro, mas não é para isso que os barcos foram feitos.”
E se o idioma alemão chega perto de traduzir saudade, a língua portuguesa falha em não ter o oposto, como nossos Brüder e Schwestern tem: Fernweh. Quem inventou a palavra foi um príncipe viajador. Fer é longe e weh já sabemos, vem de dor. Fernweh “significa desejo de situações desconhecidas. A palavra também é usada para indicar a relutância que pode acompanhar o retorno para casa.”
Uma anti-saudade, por assim dizer. Uma vontade de desbravar esse desconhecido. Talvez Heimweh seja a saudade do que é conhecido, enquanto Fernweh seria, como disse Renato Russo, “essa saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi”.
Há também uma outra palavra em alemão com um sentido parecido, que ficou famosa nas legendas de fotos Instagram afora, Wanderlust. “Wander” é caminhar, vagar, e “Lust” é desejo. Wanderlust é o desejo de conhecer lugares novos.
Curiosamente, o idioma holandês importou apenas a saudade de casa, que virou heimwee. Sem Fernweh e sem Wanderlust. Mas se é sobre andar por aí, há uma palavra holandesa insuperável: uitwaaien. “Uit” é fora e “waaien” é soprar (o vento), mas juntinhas elas viram uitwaaien que é “uma caminhada na natureza quando está ventando, como forma de clarear a mente.”
Vagar no vento até ficar menos biruta. Não é curioso que em português biruta seja uma pessoa meio doidinha e um aparelho que mostra a direção do vento?
Sinto que estou no meio do caminho entre Heimweh e Fernweh. Feito aquela música do Oswaldo Montenegro, “pois metade de mim é partida/ a outra metade é saudade”.
Não à toa, dei para a Newsletter o nome Bitterzoet, que significa agridoce em holandês. Morar fora é essa mistura doce e azeda (ou amarga).
Ainda não sabemos quando vamos voltar para o Brasil. Provavelmente quando a Heimweh ganhar da Fermweh. Até lá, sigo encontrando formas de lidar com a bagagem invisível que me acompanha. Tem dias que ela fica mais leve, tem dias que é mais pesada.
Escrever aqui tem sido uma das maneiras que encontrei de matar a saudade de me expressar em uma língua familiar, uma língua que é minha. Agradeço a companhia. Caso não assine ainda, você pode clicar no botão abaixo para receber meus textos sobre a vida na Holanda na sua caixa de e-mails.
Tot ziens,
Buca.
Cheguei sem querer nesse texto e me identifiquei. Já moro há quase 8 anos na Holanda mas os sentimentos são o mesmo. Não conhecia a palavra “Heimwee” e acho curioso que ela carregue “dor”, porque é mesmo algo doloroso que a nossa palavra “saudade” não tem. Tudo de melhor pra você nesse país que a gente decidiu chamar de casa. Não é fácil.
Um abraço!
Fã dessa news ✨