Chegou aqui em casa uma cédula de votação. Como moradora registrada, tenho direito a votar no conselho de água. Fui pesquisar melhor para entender e poder votar, já que adoro uma democracia.
Primeiro, fui tentar entender a bagunça o sistema político holandês. Há o “Reino dos Países Baixos”, composto por quatro países: Aruba, Curaçao, São Martinho e os Países Baixos (que eu chamo de Holanda pra simplificar). O rei (*revira os olhos*) é chefe de Estado desses países. Aqui na Holanda, ele, juntamente com os líderes dos partidos, escolhe os ministros que compõem o gabinete de governo. Essa escolha se dá após as eleições para a “segunda câmara”, que é algo parecido com a câmara dos deputados federais no Brasil (a “primeira câmara” é eleita através de votos indiretos e seria tipo o nosso senado, não é bem isso mas é como se fosse).
Além da eleição para a segunda câmara, há também a eleição para o parlamento de cada província – são 12 no total, como mostra o mapinha abaixo:
Os deputados eleitos escolhem aqueles que vão formar o poder executivo da província (uma junta de três a sete deputados mais um comissário do rei). São eles também que elegem os membros para a primeira câmara.
Por fim, a nível municipal, há as eleições para o conselho de água e para o conselho municipal. A Holanda conta com 342 municipalidades, que são governadas por um prefeito, escolhido pelo gabinete de governo, juntamente com “wethouders” que são tipo vereadores, mas eleitos pelos membros do conselho municipal, que também são tipo vereadores. Achei essa parte especialmente confusa, mas pelo que deu pra entender é o seguinte: as pessoas comuns votam para o conselho municipal que é o poder legislativo da cidade, que por sua vez elege os wethouders, que são parte do poder executivo (junto com o prefeito).
Ufa, agora finalmente chegamos ao conselho de água.
Ele é um poder regional independente, e sua função, como o nome já entrega, é cuidar da água. Isso parece especialmente importante num país em que cerca de um quarto do território está abaixo do nível do mar.
As origens dos conselhos de água remontam ao século XII. Atualmente há 21 conselhos de água na Holanda, divididos de acordo com os pôlderes e bacias hidrográficas:
Os conselhos de água são responsáveis pelos pôlderes, diques, canais, prevenção de enchentes e distribuição de água potável. Todo mundo maior de 18 anos que mora na Holanda pode votar para o conselho. Nas outras eleições, só cidadãos holandeses.
Para poder votar de forma mais embasada, há um site que analisa seu posicionamento em diversas questões para descobrir com quais partidos você se identifica. Para surpresa de zero pessoas, eu me alinho com os partidos de esquerda, engajados com causas ambientais e de direitos humanos.
A votação para os conselhos de água e para o parlamento das províncias aconteceu ontem (poisé, uma quarta-feira, em meio à greve de ônibus e com o voto sendo facultativo). O resultado oficial não saiu ainda porque a Holanda não conhece a tecnologia das urnas eletrônicas. O voto rolou em uma cédula de papel gigantesca. Essa é uma cópia que chegou pelo correio uns dias antes, para poder “treinar”:
Parece que quem vai se dar bem vai ser o partido dos fazendeiros. A Holanda vive um impasse em relação às metas ambientais, com o governo de um lado tentando reduzir a emissão de nitrogênio e os fazendeiros de outro, não querendo diminuir seus lucros. Lembrando que a eleição de ontem será a responsável por formar o “senado” holandês. Ou seja: mais dificuldade para avançar na agenda climática. Mas tudo bem, não é como se fosse urgente, não é mesmo? (*chorando em posição fetal*)
O que ando vendo
Tem um clipe do a-ha em que uma menina está lendo uma história em quadrinhos e de repente é “puxada” para dentro da história:
Essa é mais ou menos a premissa de um dorama que vi semana passada chamado “W – dois mundos” (tem na Netflix).
Só que na série coreana, a ~mocinha~ é filha do criador da webtoon e ela (claro!) se apaixona pelo herói criado pelo pai (Oi, Freud!)
Num certo ponto entre idas e vindas do mundo real para o universo fictício, ela decide contar toda a verdade pro mozão. Essa é a parte mais interessante da série pra mim: quando o herói descobre que não passa de uma criação e questiona sua existência, seu livre-arbítrio e tudo o mais. A ideia não é nova (taí as religiões há milhares de anos explorando essa premissa), mas achei interessante ela transposta pro universo dos doramas e webtoons.
Eu adoro histórias de universos paralelos e por isso fiquei feliz da vida que “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo” levou vários prêmios na cerimônia do oscar no último domingo, incluindo o de melhor filme. A história da busca de uma filha por um mundo em que sua mãe a aceite, combinada com muitas cenas de ação hilárias, fez o filme divertido, comovente, profundo e bizarro: tudo ao mesmo tempo.
Não seria bom poder descobrir como diferentes versões de nós se saíram? Ou então explorar um mundo totalmente diferente? Vez ou outra me pego pensando na versão do mundo em que não houve a pandemia de covid-19. Essa semana fez três anos que tudo começou.
Não há como saber como teria sido, mas pelo temos a ficção que nos permite sonhar com esses outros lugares e tempos.
“Quem sabe se o romance não será uma mais perfeita realidade e vida que Deus cria através de nós, que nós — quem sabe – existimos apenas para criar?”
dO Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa
Houdoe,
Buca.
adorei tudo, especialmente a selfie com a cédula, rs 😽
"A história da busca de uma filha por um mundo em que sua mãe a aceite" - você resumiu o filme tão maravilhosamente! Com uma frase me fez repensar o filme inteiro. Eu vi totalmente por outro ângulo e resumiria assim: "A história da busca de uma mãe por uma versão de si capaz de acolher a filha, capaz de mostrar que ela tem lugar nesse mundo, e não seguir no mesmo ciclo 🍩 repetindo o que o pai fez com ela.". E também um total de 0 pessoas se impressiona que o meu resumo tenha 3x o tamanho do seu. Quem sabe existe uma dimensão do universo no qual eu tenha essa capacidade de síntese incrível.