Um sábado desses, depois de voltar da minha corridinha, encontrei uma abelha de pelúcia na sala. Na minha ausência, crianças bateram na porta e propuseram um jogo de troca com o Lucas. Elas dariam a abelha e ele daria em troca algo para elas. Como não temos muitos bagulhos aqui na Holanda, Lucas perguntou se podia ser chocolate, elas toparam e assim acabamos com a abelha. Semana passada a campainha tocou de novo e dessa vez fui eu que atendi. Crianças (as mesmas? Outras? Não sei dizer) propuseram o agora já conhecido jogo de trocas. Dessa vez eu tinha o que oferecer e, além de bombons, incluí a abelhinha. Em troca, ganhei um gibi do Pato Donald.
Resolvi gastar todo o holandês adquirido no recém finalizado segundo semestre de curso do idioma e ler o gibi. Na primeira página que abri, consegui entender que Donald está preocupado porque não tem dinheiro para comprar um presente pra Dagobert. Mas quem diabos é Dagobert? Avanço algumas páginas e descubro: é o Tio Patinhas!
Curiosa para entender da onde vem esse nome, descubro que os holandeses apenas copiaram o nome em alemão do pato muquirana. Aparentemente a tradutora alemã resolveu pegar o nome de um antigo rei da Merovíngia. Por quê não, né? E assim Dagobert virou.
Dagobert deve ser um personagem cultuado nessas terras afinal holandeses são muito pão-duros e, assim como o pato do gibi, tem apego ao seu rico dinheirinho. O próprio idioma já dá uma pista dessa mania de economizar: caro, em holandês, é duur; já barato é goedkoop, que se traduzido literalmente seria “boa compra”.
Em casos extremos, há holandeses mãos de vaca também nas relações sociais. Há inúmeros relatos pela internet afora que soam absurdas para quem não é daqui: ser convidado pra jantar na casa da pessoa e depois receber a conta do valor dos ingredientes, ser cobrado por cinquenta centavos emprestados, etc etc. A pior história que encontrei foi de uma moça que convidou um casal de amigos para ficar no hotel dos pais dela na faixa por duas semanas e na volta pra casa com eles foi cobrada em doze euros pela gasolina.
A fama de sovina dos holandeses não vem de hoje. Há uma expressão em inglês, going dutch, (algo como à moda holandesa) para quando cada pessoa paga sua parte na conta do bar ou restaurante. A origem dela é curiosa: ainda que os ingleses tenham inventado muitas expressões pejorativas relacionadas aos holandeses por conta da rivalidade imperialista, quem aparentemente cunhou going dutch foram os estadunidenses. Ela deriva de outra expressão, Dutch treat, um hábito que imigrantes (não necessariamente holandeses) tinham de levar sua própria comida para os eventos. Depois passou a significar cada um pagar por sua bebida no bar, que acabou virando o tal do going dutch.
Há países falantes de espanhol, por sua vez, que tem a expressão pagar a la americana, para quando uma conta é dividida pelo número de pessoas. Na Itália, usa-se a expressão pagare alla romana para esse caso (às vezes podendo ser com o sentido de going dutch, o que pode gerar eine grosse Konfusion).
O que ando vendo
Descobri recentemente que dois filmes que eu gostava bastante são “inspirados” em animes. Sabem aquele meme do:
- fez o trabalho? posso copiar?
- pode, só não faz igual.
Então, “Cisne Negro” e “Inception” são cópias pioradas de “Perfect Blue” e “Páprika”, dois animes do diretor japonês Satoshi Kon.
Darren Aronofsky já havia se “inspirado” em “Perfect Blue” para fazer “Requiem for a Dream”. Ele tentou comprar os direitos do anime para fazer uma versão americana mas o negócio não foi pra frente. No fim das contas, ele apenas copiou uma cena descaradamente e colocou em “Requiem for a Dream”. Quando questionado, disse tratar-se de uma “homenagem”. Satoshi Kon ressentiu-se por não levar os créditos dessa “homenagem”.
Não contente em copiar uma cena em “Requiem for a Dream”, Aronofsky decidiu copiar a história de “Perfect Blue” em “Cisne Negro”, mudando uma coisinha aqui e ali. Kon faleceu uma semana antes da estreia de “Cisne Negro”. Seus filmes nunca fizeram muito sucesso, ele não tinha uma situação financeira boa e não teve reconhecimento em vida do seu trabalho.
Depois de Aronofsky, foi a vez de Christopher Nolan se apropriar do trabalho de Kon. “Inception” é a transposição hollywoodiana de “Páprika”.
Não apenas a história é parecida, como há várias cenas que foram copiadas na cara dura. Fiquei revoltadíssima quando descobri esses plágios. Nolan e Aranofsky são considerados diretores brilhantes, enquanto Kon permanece obscuro.
O mundo não é mesmo um lugar justo. A não ser numa mesa de bar holandês, aí ela vai ser justa até nos mínimos centavos 😂
Até a próxima,
Buca.
adorei! e já ouvi o going dutch sem entender muito bem, fez muito sentido agora!
(e lamentável o lance do plágio...)
Muito avarentos esses holandeses, hein? Lembrei que em francês não tem uma palavra para "barato", diz-se apenas "não caro". As vezes eles usam as expressões "bom preço" e "bom mercado".