Faz tempo que não apareço por aqui. A vida tem sido corrida: muitas aulas para preparar, provas para corrigir e listas de presença para lançar no sistema.
O primeiro semestre letivo de 2024 acabou e enquanto espero o próximo começar, aproveito para ler, ouvir e ver outras coisas. São apenas alguns dias de folga, mas eles são valiosos.
A minha nova pequena-grande obsessão é a poeta polonesa Wisława Szymborska (1923-2012). No momento, estou lendo “Um amor feliz”, publicado pela Companhia das Letras em 2016 com tradução de Regina Przybycien. É de lá esse poema:
Vermeer
Enquanto aquela mulher do
Rijksmuseum
atenta no silêncio pintado
dia após dia derrama
o leite da jarra na tigela,
o Mundo não merece
o fim do mundo.
Achei curioso Szymborska evocar uma pintura do holandês Johannes Vermeer (1632-1675). “A leiteira” foi pintada por volta de 1657 e retrata, de forma bastante realista, uma.. leiteira.
Na verdade provavelmente era uma criada, já que ordenhar vacas e preparar alimentos a partir do leite eram funções executadas por pessoas diferentes. De qualquer forma, o tema de criadas/leiteiras nas pinturas holandesas tinha uma tradição de pelo menos duzentos anos quando Vermeer fez a sua versão. Pelo visto, elas tinham uma reputação de terem certa predisposição amorosa. Assim, os pintores aludiam a elas para representar o tema erótico em suas pinturas.
Para conseguir criar a sensação realista, Vermeer utilizava esquemas elaborados de luz e sombra em suas pinturas. É quase como se estivéssemos vendo uma fotografia:
Vermeer não fez muito sucesso durante sua vida. Sua esposa era sua maior patrocinadora, mas ele conseguiu também vender uns quadros aqui e ali. Ele ficou meio esquecido no rolê e foi só no século XIX que foi “redescoberto” e alçado à galeria da fama dos pintores holandeses.
Essa semana vi uma notícia curiosa envolvendo Vermeer: cientistas holandeses realizaram um estudo para descobrir a diferença cerebral entre ver uma obra de arte original e sua cópia. O estudo foi encomendado pelo Museu Mauritshuis, que abriga em seu acervo “Moça com Brinco de Pérola” de Vermeer, a Mona-Lisa holandesa:
O estudo é meio questionável, mas o Mauritshuis é um museu muito legal. Ele fica em Haia (Den Haag em holandês), sede do governo holandês.
Voltando ao poema de Szymborska, os dois últimos versos dizem “o Mundo não merece o fim do mundo”. Eu detesto uma certa narrativa de fim de mundo que vem ganhando espaço ultimamente, que fala que o mundo estaria melhor sem os humanos, que os humanos são o verdadeiro mal da Terra, etc. Ela é problemática em vários níveis, pois equipara todas as pessoas e seus diferentes modos de vida. O impacto de meia dúzia de bilionários não pode ser comparado ao de milhares, milhões de pessoas comuns. Além disso, mascara o real problema, que é o capitalismo com esse modo insustentável de vida, que fornece lucro a poucos e distribui entre muitos os prejuízos. Assim como Ailton Krenak,
“Quando eu falo em adiar o fim do mundo, não é a este mundo em colapso que estou me referindo. Esse tem um esquema tão violento que eu queria mais é que ele desaparecesse à meia-noite de hoje e que amanhã a gente acordasse em um novo.”
O mundo que não quero que acabe é o mundo de Ailton Krenak, o mundo de Vermeer, o mundo de Wisława Szymborska. Esses são mundos nos quais e pelos quais vale a pena viver.
Até a próxima,
Buca.
Sempre uma delicia te ler!