A imagem da Holanda aqui no Brasil parece estar fortemente vinculada a Amsterdã (ou Amesterdão, como grafam os portugueses): um local agitado, cosmopolita, urbano. Ou pelo menos era a imagem que eu tinha antes de me mudar para os países baixinhos. O fato é que a Holanda é bem mais rural do que eu imaginava. Há algumas cidades grandes, mas elas não são tão grandes assim. Boa parte do país é composto de pequenas cidades e vilas. Uma outra descoberta surpreendente pra mim foi o fato de que a Holanda é o segundo maior exportador agrícola do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Os holandeses estão entre os maiores exportadores de batata, cebola e – pasmem!– tomate. Mas hoje quero falar sobre um outro vegetal: a cenoura.
Segundo a rede mundial de computadores, a provável região de origem da cenoura é onde hoje é o Afeganistão. O interesse então estava nas sementes (que ficam nas flores da planta). A raiz não tinha um sabor lá muito bom, mas isso foi mudando com o tempo, assim como a cor da planta, que provavelmente era branca a princípio. Os responsáveis pela cor laranja são os holandeses.
Reza a lenda que a cor foi desenvolvida para celebrar Guilherme de Oranje (oranje = laranja), impulsionador do movimento de independência holandês. Talvez tenha sido uma grande coincidência, mas o fato é que a cenoura laranja holandesa pegou, principalmente porque o gosto era bem melhor do que das outras cores.
Em holandês, cenoura é wortel, palavra usada também para raiz.
Boomwortels (raízes de árvore) é o nome do último quadro de Vincent Van Gogh.
Por bastante tempo especulou-se sobre o quadro e seus possíveis significados. Como diria Lulu Santos, eu acho tão bonito isso de ser abstrato, baby. Aí veio a pandemia. O diretor do museu Van Gogh estava entediado em casa e resolveu arrumar a papelada acumulada de anos. E ele encontrou um cartão postal do início do século XX que mostrava raízes muito parecidas com aquelas da pintura de Van Gogh. A foto havia sido tirada em Auvers-sur-Oise, vilarejo francês onde Van Gogh estava morando à época. Eureka!
Logo, o quadro não era tão abstrato assim, mas uma representação de um local provavelmente caro a Van Gogh.
Especialistas acreditam que Boomwortels foi pintado no mesmo dia em que Van Gogh deu um tiro em si mesmo, que o levou à morte dois dias depois. A obra seria então, de acordo com o diretor que achou o postal, “um testamento, uma carta de despedida. Para ele [Van Gogh], o bosque simboliza a luta da vida. Os troncos são cortados e, do toco, novos brotos aparecem".
O que ando vendo
Ando curtindo assistir aos filmes do diretor chinês Wong Kar-Wai. “Amores Expressos” (1994) é uma delícia de ver e faz um uso ótimo da música California Dreamin. “Amor à flor da pele” (2000) é uma das coisas mais bonitas que já vi. “2046” (2004), que eu vi recentemente, é uma espécie de continuação de “Amor à flor da pele”, mas não é preciso ter visto o primeiro para entendê-lo. O filme brinca com a ficção científica e 2046 é um trem que as pessoas pegam para o ano/lugar de 2046, em busca de suas memórias perdidas. Gostei demais.
O que ando lendo
Ano passado meus amigos e eu criamos um grupo de leitura para dar conta de Ulysses, do James Joyce. No site da Companhia das Letras, o livro aparece resumido da seguinte maneira:
“Um homem sai de casa pela manhã, cumpre com as tarefas do dia e, pela noite, retorna ao lar. Foi em torno desse esqueleto enganosamente simples, quase banal, que James Joyce elaborou o que veio a ser o grande romance do século XX.
Inspirado na Odisseia de Homero, Ulysses é ambientado em Dublin, e narra as aventuras de Leopold Bloom e seu amigo Stephen Dedalus ao longo do dia 16 de junho de 1904. Tal como o Ulisses homérico, Bloom precisa superar numerosos obstáculos e tentações até retornar ao apartamento na rua Eccles, onde sua mulher, Molly, o espera. Para criar esse personagem rico e vibrante, Joyce misturou numerosos estilos e referências culturais, num caleidoscópio de vozes que tem desafiado gerações de leitores e estudiosos ao redor do mundo.”
Uma vez por mês nos reuníamos online para falar de um capítulo do livro, e nossa empreitada finalmente chegou ao fim (bem a tempo do Bloom’s day, 16 de junho, o dia em que se passa Ulysses). Foi uma leitura densa e difícil, mas eu gostei muito. Poder compartilhar as impressões ajudou bastante. Além disso, há um guia de leitura elaborado pelo tradutor mais recente do livro, Caetano Galindo, que também auxilia. Encontrei, ainda, um site que lista todas as referências presentes no livro, capítulo a capítulo. Finalizo a edição de hoje com uma citação de Ulysses:
Toda vida é muitos dias, dia após dia. Caminhamos por nós mesmos, encontrando ladrões, fantasmas, gigantes, velhos, rapazes, esposas, viúvas, bonscunhados. Mas sempre encontrando a nós mesmos (…).
A vida é muitos dias. Este vai acabar.
Até uma próxima,
Buca.
Sempre uma boa leitura
Que bonito, Buca! Já estava sentindo falta dessa leitura tão prazerosa!